Cryptomerias e o estilo Chokkan

Trabalhando passo a passo com as criptomérias.

Escrevi esse artigo alguns anos atrás para a Edição nº 01 da extinta e saudosa revista “Como Cultivar Bonsai” da Editora Dois. Foi uma época única no Brasil com 2 ou 3 revistas de bonsai para vender simultaneamente nas bancas de revista. Resolvi publicar aqui no site da Bonsai do Campo, porque considero seu conteúdo importante para a formação de bonsai não só de Cryptomerias, mas também de outras espécies de coníferas. As Cryptomerias são árvores conhecidas em todo o mundo e muito apreciadas pelos bonsaístas de modo geral, principalmente por aqueles que buscam trabalhar árvores no estilo ereto formal (Chokkan). Particularmente, meu interesse por esta espécie não está somente relacionado com suas características morfológicas, mas também pela rapidez com que responde às técnicas aplicadas.
Bom proveito.
Carlos Tramujas

Introdução:

Esta Criptoméria foi arrancada do campo no inverno de 2004 onde media aproximadamente três metros de altura. A copa foi eliminada completamente no momento do arranquio e a árvore ficou medindo apenas um metro e meio a partir do solo. Foi então plantada em um vaso grande de plástico para estimular o desenvolvimento das raízes e a nova brotação na parte inferior do tronco. Encontrei com ela no inverno de 2006 no viveiro da Belvedere onde pude apreciar todo o seu potencial. A perspectiva de trabalhar com uma planta deste porte e com as características básicas para a criação de um bonsai no estilo Chokkan foi realmente muito estimulante.

Cryptomeria japonica no inicio do trabalho de modelagem. Neste momento os galhos da parte superior do tronco já haviam sido eliminados e sua altura era de 1,30 m a partir da base do solo. Foto de agosto de 2006.

Momento de descontração com minha filha, Giovanna. Apesar dos seus 8 anos, ela já manipulava muito bem a tesoura de poda e tinha boas noções de estética.

Com o trabalho de modelagem terminado, após 10 horas de aramação, dá-se início ao processo de plantio. O vaso escolhido é um pouco grande para a planta, mas esta opção se fez necessária para evitar uma poda demasiadamente drástica das raízes neste momento.

Foto tirada em abril de 2007, após 8 meses da realização do primeiro trabalho de modelagem. Observa-se claramente a evolução da árvore, que neste momento mede, com o vaso, 115 cm até a extremidade do Jin.

Detalhe de um dos galhos da árvore. A brotação na parte interna do galho é abundante,  resultado da poda de seleção dos ramos, assim como da aramação, que com o posicionamento correto dos galhos facilitou a ventilação e a entrada do sol, fatores imprescindíveis para o desenvolvimento dos brotos novos.

No local indicado pela pinça, percebe-se o efeito da poda das agulhas, ou seja, a zona cortada com a tesoura assume uma coloração marrom, o que em alguns casos pode até mesmo prejudicar momentaneamente a estética da árvore.

Forma típica dos galhos da região inferior do tronco. Os galhos tendem a crescer de forma alongada e na maioria dos casos são bastante ralos e com uma brotação escassa. Nas coníferas em geral o desenvolvimento dos brotos e dos galhos na zona inferior do tronco é muito mais lenta e demorada, portanto as pinçagens nesta zona deverão ser sempre menos vigorosas que na parte superior da árvore onde o crescimento é mais intenso.

Nesta foto observamos o caminho que devemos seguir para formar o galho da maneira correta. Se observarmos a linha vermelha fica fácil verificar as zonas que precisamos deixar crescer, assim como os brotos, que com o tempo, deverão ser eliminados. Os galhos deverão seguir um desenho semelhante à silhueta geral da árvore, ou seja, uma forma triangular.

Foto de novembro de 2007 em um novo vaso.
O estilo da árvore (Chokkan) foi decisivo para a escolha do vaso. Normalmente para árvores neste estilo, devem ser utilizados vasos retangulares, para que possamos obter uma melhor harmonia e estabilidade do conjunto. Os vasos sem glasura e de cores escuras e neutras, além de acentuarem o vigor da árvore ao destacar ainda mais a coloração do seu tronco, são sempre os mais indicados para serem utilizados com as coníferas em geral.

Algumas considerações importantes.

Pré-bonsai de criptoméria com aproximadamente 6 anos de idade e medindo, fora o pote, 70 cm de altura. Esta muda é procedente de um viveiro de plantas ornamentais e sem dúvida um excelente material. A seguir veremos algumas possibilidades de trabalho.

Foto A
Foto B
Foto C

No primeiro caso (Foto A) , se imaginamos a copa da árvore contida na linha vermelha eliminando o restante da mesma, teríamos um bonsai de pequeno tamanho, onde estaríamos enfatizando, sobremaneira, o seu tronco, criando a sensação de uma árvore pequena, porém, extremamente robusta. Nossa planta neste caso ficaria com aproximadamente 20 cm de altura.

No segundo caso (Foto B), a poda não seria tão radical, e se mantivéssemos a copa dentro da linha vermelha, obteríamos uma árvore também pequena, mas com um tamanho aproximado de 25 a 30 cm. A ênfase não estaria  somente no tronco, mas sim no conjunto que se apresentaria também com uma boa  harmonia.

No terceiro caso (Foto C), a poda seria mais suave, o que resultaria em uma árvore média, com aproximadamente 40 cm. Neste caso o tronco teria um valor ainda mais secundário, pois seria relativamente fino para uma árvore com esta altura. Se a opção escolhida for esta, devemos manter apenas o mínimo de galhos para formar sua estrutura  e com pouca densidade, criando assim uma sensação de estabilidade entre os galhos e o tronco da árvore.

Uma das vantagens das Criptomérias é a intensa brotação que nasce ao longo do tronco. Este tipo de situação é conveniente, pois podemos eliminar os galhos velhos e trabalhar somente com esta nova brotação, ou simplesmente eliminá-la e trabalhar com os galhos velhos. Depende do objetivo e do projeto que queremos realizar.

Nas fotos acima podemos ver um detalhe da poda de um galho utilizando a tesoura de cabo longo da forma correta. Cortamos o galho evitando cortar as folhas laterais para não deixarmos as marcas de “queimado”, mas observamos que mesmo utilizando a tesoura de ponta fina acabamos cortando algumas folhas o que é comum acontecer. O importante sempre é tentar cortar o menos possível.

Nessa árvore foi utilizando apenas o processo de seleção de galhos e agora nos resta esperar a nova brotação para que a folhagem se desenvolva. Neste caso não vamos usar  a aramação e a intenção é começar a formar o bonsai apenas através das podas. Para reduzir o ápice foi feito um Jin na sua extremidade, o qual com o tempo irá conferir um caráter mais antigo ao trabalho. Num primeiro momento é sempre conveniente deixarmos mais galhos que o necessário, pois os mesmos poderão ser eliminados a medida em que a árvore aumente a densificação de sua folhagem. Como podemos ver no detalhe do tronco, os exemplares mais jovens de criptoméria, a casca mais grossa ainda não começou a se formar, mas mesmo assim ele não deixa de apresentar a bonita coloração avermelhada característica desta espécie.

Trabalho realizado com um pré-bonsai de criptoméria. Como podemos ver a planta foi aramada completamente, o que nos garante a colocação dos galhos nas posições corretas para a formação do bonsai. Aqui é fácil verificar a diferença na intensidade da brotação da copa e dos galhos mais baixos da planta.

Detalhe de um galho aramado mostrando a disposição correta dos ramos menores. É importante preencher os espaços para garantir no futuro galhos densos e bem formados. Observa-se a brotação nova no centro do galho, fruto da entrada do sol e da nova disposição do mesmo.

Afastamos a brotação da parte superior da planta para mostrar a poda radical e como esta ficou dissimulada em meio à nova brotação. É a maneira correta de escondermos a poda e criarmos uma pequena árvore sem a utilização do Jin para finalizar o ápice.

Na correta formação dos galhos deve-se eliminar todos os brotos que cresçam para baixo mantendo-os sempre aparados, concentrando a força de crescimento naqueles que nos interessam. Da mesma forma, cortamos também os galhos que crescem  para cima.

Neste pré-bonsai foi realizado uma poda radical em seu ápice, e todos os galhos velhos da planta foram eliminados. O resultado foi o crescimento mais vigoroso dos novos brotos que se encontravam no tronco. Agora seria o momento de fazer uma seleção de galhos e aramar completamente a árvore. O importante é percebermos a capacidade que esta variedade apresenta em reagir aos diferentes tipos de poda. Na segunda foto podemos ver o detalhe do Jin e a exuberância da nova brotação.

Observamos o inicio do crescimento dos novos brotos, estimulados pela poda da extremidade do galho. Esta poda foi realizada para diminuir a extensão do galho.

Aqui vemos este processo em um estágio mais avançado, resultado da poda em um galho um pouco mais grosso. Apesar de sua intensa capacidade regenerativa, a exemplo de outras coníferas, devemos evitar cortar todas as folhas e pequenos brotos de um galho se desejarmos utilizá-lo, pois neste caso será difícil prever sua brotação.

Detalhe da pinçagem realizada com a tesoura de ponta fina. Como os brotos são resistentes se tornam difíceis de serem arrancados com os dedos.
Mesmo na pinçagem devemos tentar evitar o corte nas agulhas. A pinçagem durante o período de crescimento é importante para frearmos o crescimento dos brotos indesejados, estimulando o crescimento daqueles que realmente nos interessam para a formação da árvore.

Outra história para contar.

A Cryptomeria abaixo foi encontrada também em estado bruto no viveiro de plantas Belvedere em 2004 quando então foi arrancada do chão e plantada em um vaso grande de plástico. A árvore foi cortada pela metade, ficando com aproximadamente 2 metros de altura. Na foto abaixo a esquerda se pode observar a a altura da árvore quando o trabalho de modelagem foi iniciado no ano de 2006. A sistemática foi a mesma aplicada para outras plantas arrancadas do chão, que consiste em deixa-las se recuperem por um bom período de tempo para que possam suportar posteriormente as intervenção mais radicais.

Nesse caso foram selecionados apenas poucos galhos para se montar a estrutura da árvore. Na foto da direita que foi tirada em 2016, praticamente 10 anos depois, se pode observar a estrutura já formada da árvore, com um shari grande na parte frontal do tronco cuja intenção foi transmitir ao desenho da árvore um aspecto de muito mais idade.

Aqui em sua foto mais atual com a árvore em 2018. Se observa nitidamente o grande desenvolvimento do bonsai em relação a 2016, apenas 2 anos de cultivo depois da ultima intervenção. Pode se dizer que esse ultimo registro é o que melhor retrata aquele projeto antigo que se iniciou em 2004. Na arte do bonsai é importante lembrar que o tempo é o nosso maior aliado!

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